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mapas #1
quem ainda lê na internet em pleno 2025?
Em 2005, o SBT começou a exibir Rebelde no Brasil, a temporada de Malhação contava com um personagem chamado Download e a Revista Atrevida publicou uma matéria sobre um novo hobby de nicho que vinha surgindo entre adolescentes de classe média com algum acesso à internet: blogs. Foi também a primeira vez em que eu escrevi e publiquei algo na internet, depois de ler a matéria e achar que era algo divertido pra fazer nos minutos semanais limitados em que eu era autorizada a entrar na internet pelo computador da casa. O conceito de parar qualquer outra atividade num sábado à tarde e “entrar” na internet, que até então era um lugar ao qual eu precisava me conectar com pelo menos algum esforço, parecia inofensivo e compatível com uma criança tímida.
14 anos depois, em um 2019 que parece ontem e uma outra vida, escrevi e publiquei pela última vez na internet. Os blogs já haviam morrido há algum tempo e ninguém mais tinha tempo ou atenção pra buscar um site específico que quisesse ler. Eu já tinha criado e idealizado quase uma dezena de blogs e vinha mantendo uma newsletter desde 2016, com muitas idas e vindas. De alguma forma, a caixa de email ainda me parecia uma forma de continuar publicando o que quer que fosse que eu estivesse escrevendo, e também uma forma de manter contato com a variedade de pessoas que eu conheci por meio da internet. Pessoas dos blogs, pessoas das newsletters, pessoas do Twitter-que-também-eram-dos-blogs-e-às-vezes-eram-também-onipresentes-em-todas-as-minhas-redes-sociais, sem que eu me desse conta de que, na verdade, eu nunca sequer ouvi a voz daquela pessoa. E ali, em 2019, eu fiz um último esforço de tentar recuperar a empolgação genuína e pueril que eu senti em 2005, no dia que criei meu primeiro blog. Mas a sensação não era mais a mesma.
Poucos meses depois a pandemia começou com seu poder indiscutível de separar as coisas em antes e depois. Eu me tranquei em casa, mudei de estado, trabalhei. Escrever na internet não fazia mais sentido porque a internet não fazia mais sentido, e na verdade, o mundo também não. Mas eu ainda precisava escrever, e escrever sem ser lida é muitas vezes o único exercício possível pra alguém que cresceu aprendendo a encontrar validação em estranhos online já que a validação não parecia promissora ao meu redor. Vocês sabem, a velha história.
Entre algoritmos sofisticados ou escrachados, as pessoas nos anos 20 começaram a parecer cada vez mais distantes. Mesmo as da vida real, quem dirá as que existiam só ali naquela conexão imaginada. Larguei o Twitter em 2023. Gostaria de poder dizer que foi pelo meu aguçado senso de justiça ao ver a rede social virar o quintal de um bilionário empenhado em fertilizar o solo pra informações falsas, discursos de ódio e governos fascistas. Isso com certeza foi um fator, mas a verdade é que desde antes eu já sentia que estávamos todos falando sozinhos por lá. Eu estava, de fato, falando sozinha desde que criei minha conta em 2009. Só que depois de um tempo começou a ficar deprimente demais e eu não conseguia mais fingir que ali ainda podia ser um espaço pra conexões, ainda que frágeis. Nenhum de nós consegue mais lidar cem por cento com as personas online uns dos outros. E o fato de estar o tempo inteiro existindo como uma pessoa no mundo e também uma persona em várias plataformas que têm um papel no mundo… Bom, isso é coisa demais pra um cérebro finito.
Fiquei com meu caderno e minha caneta Bic Cristal 0.7. Eles continuam sendo um exercício de sanidade possível, um dos poucos a que eu consigo me comprometer. Mas segui lendo algumas das pessoas que acompanhava desde antes. Muitas delas começaram a aparecer no Substack e até comecei a cogitar aparecer por lá. Quem sabe criar uma conta, publicar, voltar a comentar sobre o que escrevem pessoas que admiro e com quem quero conversar. Mas usei o aplicativo por um dia e me senti ao mesmo tempo em um nicho específico do Twitter e no Instagram. Claro, há muitos bons textos e pessoas que eu realmente gosto de ler tentando ser pagas por um trabalho que não tem nada de trivial. Mas a existência de um feed curado por um algoritmo é exatamente onde os problemas começam e meu incômodo se instala. O foco em número de curtidas e reposts não ajuda e alimenta o próprio algoritmo e a “produção de conteúdo” nos termos da internet de hoje. Uma internet que precisa operar dentro de uma lógica de engajamento à qual eu não tenho nenhuma pretensão de me adaptar mais do que já sou forçada.
Veja bem, eu trabalho com tecnologia. Todo o meu dia gira em torno de escrever algoritmos que implementem boas ideias de executivos sobre como vender mais. O posicionamento do CEO do Substack sobre a decisão da Meta de remover a moderação de publicações me fez ler um pouco mais sobre o histórico da plataforma e foi a pá de cal que eu precisava. O que eu escrevo pode não ser nada além de uma conversa - por vezes um monólogo -, mas é a representação do que eu sou e das ideias em que acredito. Escrever é parte de quem eu sou, publicar na internet também. Eu não sei o que isso pode significar hoje, mas também não posso mudar o fato de que cresci e me tornei alguém no mundo dentro de uma configuração de arena pública que já contava com isso aqui. Posso não saber exatamente como lidar com essa contradição, mas sei que não quero alimentar grandes plataformas sem ao menos tentar outras alternativas (alternativas muito provavelmente insuficientes).
É estranho, em pleno 2025, buscar motivos e saídas para publicar alguma coisa na internet. Por um lado, grande parte das pessoas já comprou a lógica da produção de conteúdo, e a grande maioria não tem alternativa a não ser essa pra tentar sobreviver no sentido mais prático da palavra e continuar tendo espaço pra criar. Grande parte dos artistas precisa encaixar o próprio trabalho na dinâmica de monetização pra tentar encontrar formas de simplesmente continuar. Por outro lado, a vida real já se tornou um pouco desse conteúdo. Nós já conversamos por meio de memes com nossos amigos, nossas fotos já alimentam redes, nossos vídeos já dialogam entre si numa linguagem própria. Ainda é preciso justificar alguma presença online?
Pelo menos pra mim é. Por que eu ainda me convenci a escrever aqui, nesse tipo de praça pública, pra além do meu diário apenas? É batido que o ser humano precisa contar histórias pra existir. Joan Didion já cantou a bola antes, nós precisamos de uma narrativa central pra que o caos completo não nos consuma. A história é a única coisa fazendo com que a maioria de nós consiga levantar todos os dias e se prestar ao costume de existir num mundo aos pedaços, em que a perda de sentido já é natural e em que a sensação de dissociação coletiva consegue se aprofundar a cada dia. A gente precisa contar alguma história que faça sentido. E o meu diário, os meus cadernos, os meus rascunhos de email nunca enviados são testemunhas de que eu tento mesmo quando não há ninguém olhando. E pela maior parte, vai continuar sem que ninguém olhe porque eu não estou tentando sobreviver de escrita, nem produzir conteúdo e nem usar a escrita como ferramenta pra me sentir pertencente como foi durante boa parte da vida (ou será que nunca se escapa da busca?). Mas alguma coisa ainda existe na possibilidade de que algum rascunho meu tenha eco em alguém aí do outro lado. É como ser um arquiteto de ruínas, desenhando futuros vestígios pra alguém achar. Mesmo que esse alguém seja eu, numa versão mais sábia ou só mais amarga.
Foi lendo textos antigos e respostas a esses textos antigos que cheguei aqui. Coisas que escrevi aos 19, 22 ou 25 anos pareciam vozes de uma outra vida e as respostas estavam lá como um vestígio de que nós realmente já vivemos aqui. Isso já foi nosso espaço. Lendo meus diários, blogs, newsletters, passei pelos meus vários eus e percebi que hoje essas são as únicas pistas que tenho pra chegar até essas versões de mim. Voltar pra casa é constante, repetitivo. Quando eu menos espero, me percebo longe de mim, funcionando no automático. Preciso me pegar pela mão e percorrer o caminho de volta todas as vezes. Escrever é o mais próximo de alquimia que eu conheço, por isso apelo pra ela.
Então aqui vai mais um texto na internet, mais uma pessoa gerando bytes de informação que ninguém pediu. Que essas palavras cheguem até pessoas que queiram gerar mais bytes e clicar em “Responder” pra que seja algo mais do que um monólogo. Mas se não forem, que elas cheguem até mim mesma. Que no futuro eu consiga juntar tudo isso e traçar meus mapas pra voltar pra casa e voltar pra mim mesma todas as vezes que eu precisar.
O verão foi brutal por aqui e deixou marcas no meu jardim de um jeitinho que achei extremamente mudança climática da parte dele. Só recentemente as temperaturas caíram, a chuva chegou e consegui começar a cuidar dele de novo, agora com temperos. Além disso, minha gata de 13 anos partiu e decidi que as cinzas dela deviam virar um pé de amora bem no lugar em que ela ficava deitadinha pegando sol. Preciso de mais uns meses até ver tudo brotar, mas é esse o ponto de ter um jardim.

eu prometo que isso em volta da amora é grama (ou já foi e um dia volta a ser)
Ontem fui a um show acústico e muito pequeno do Tuyo. Saí de lá impressionada com o que algumas pessoas conseguem fazer com a voz e com as palavras. O resultado foi essa playlist pra você que nunca ouviu Tuyo ou que gostaria de viver um showzinho acústico deles. Ouve a playlist e me diz o que acha?
